Morte do chef
francês assassinado pela esposa durante uma briga chama atenção para mulheres
agressoras
Carina Martins, iG
São Paulo | 23/08/2010
23:04:00
O comerciante do
interior paulista que não quis ser identificado pela reportagem também preferiu
não se revelar para a Justiça. Durante os treze anos que viveu com uma
companheira, o homem de 48 anos diz ter sido vítima de agressões frequentes ao
longo de pelo menos dez. Nunca procurou a Justiça. “Quem tem coragem de dizer
que apanha de mulher?”, pergunta. Não muitos. Mas embora o problema não seja
sistêmico e disseminado como as agressões contra a mulher, homens também são
vítimas de violência doméstica.
Há alguns dias, a polícia francesa encontrou o corpo do chef Jean-François
Poinard, 71, desaparecido há quase dois anos. Sua companheira
admitiu tê-lo matado a socos durante uma briga. A família do chef diz que,
desde que os dois passaram a ter um relacionamento, em 2001, a mulher fez com
que ele se isolasse dos parentes e amigos. Com exceção do desfecho trágico, a
história é parecida com a do comerciante de São José do Rio Preto. “Minha
mulher sempre foi muito ciumenta. Não me deixava sair sozinho, aos poucos fui
deixando de ver meus amigos. Como ela e minha mãe não se davam bem, também
evitava encontros de família para não ter briga em casa”, conta.
Mas as brigas
aconteciam mesmo assim. “Ela sempre foi muito nervosa, se descontrolava,
xingava. Desde o começo atirava o que tivesse à mão contra mim. Depois de
alguns anos, começou a piorar: me arranhava, puxava cabelos, dava tapas e
socos”. Mesmo quando tinha marcas aparentes, ele nem se preocupava em esconder.
“Ninguém nunca desconfiou, nunca falou nada. As pessoas não pensam nisso, acham
que é briga de rua ou farra mesmo”, diz. Esse foi um dos motivos que o levaram
a nunca procurar a polícia e a demorar tanto para terminar o relacionamento.
“Eu tinha muita vergonha. Tenho certeza de que ia ser motivo de piada na
delegacia. E, na verdade, eu tinha vergonha de mim mesmo, de estar passando por
isso e não saber como resolver. Por muito tempo fingi que não era um problema
de verdade, que ela era assim, nervosa, e pronto”, desabafa. Ele só resolveu
que era hora de sair de casa quando a mulher o golpeou com uma faca durante uma
discussão. “Foi no braço, levei sete pontos. Mas ela atacou sem nem olhar,
poderia ter sido muito pior”.
Estatísticas
Não há pesquisas
específicas sobre a violência doméstica contra homens no país. Mas alguns
estudos dão uma ideia do quanto existe de agressão entre os casais brasileiros
– e não apenas de homens contra mulheres. O primeiro é o levantamento da
Fiocruz “Violência entre namorados adolescentes: um estudo em dez capitais
brasileiras”, que entrevistou 3.200 jovens e constatou que nove entre dez
adolescentes já foram vítimas ou praticaram algum tipo de violência dentro do
namoro. Os diferentes tipos de agressão, da verbal até a sexual (qualquer forma
de toque sexual sem consentimento) são divididos de forma praticamente igual ou
muito semelhante entre os gêneros. Ou seja, as meninas praticam atos de
violência com tanta frequência quanto os meninos.
Na verdade, em
alguns casos elas aparecem como as maiores agressoras. Quando os pesquisadores
perguntam sobre violência física, 24,9% dos meninos disseram já terem levado
tapas, puxões de cabelo, chutes ou socos, contra 16,5% das meninas. A parcela
feminina que admitiu já ter agredido seus parceiros também é maior que a deles:
28,5% das meninas contra 16,8% dos meninos. A explicação, de acordo com os
autores do estudo, passa pela reprodução por parte das meninas do modelo de
dominação masculina.
Dependência
A antropóloga da
Unicamp Amanda de Oliveira investigou os relacionamentos abusivos em uma outra
ponta da vida: ela acompanhou as denúncias de agressão por parte de idosos em
delegacias do interior de São Paulo. “Nessa faixa etária, tanto homens quanto
mulheres sofrem violência de familiares ou coabitantes. A grande surpresa foram
as semelhanças. Existem muitos casos, principalmente de filhos, filhas, netos e
netas. Mas também das esposas e maridos”, diz. Ao contrário do que esperava
inicialmente, Amanda diz que as vítimas não eram dependentes dos agressores.
Pelo contrário. “Essas pessoas normalmente eram os donos da casa, sustentavam a
família que o agredia”.
Quando o aspecto
cultural que permeia as agressões contra a mulher sai de cena, ainda restam os
elementos comuns de um relacionamento violento. Em muitos dos casos registrados
de agressão, a vítima também é agressora, tanto de um lado quanto do outro. E o
que impede o fim desses relacionamentos também pode ter mais semelhanças do que
diferenças. “Em relação aos homens, a gente encontrou até os mesmos elementos
da violência doméstica contra a mulher. Como não querer sair de casa por causa
dos filhos”, aponta Amanda.
O comerciante de Rio Preto concorda.
“Ainda bem que nunca tivemos filhos. Se não, não sei se teria coragem de sair
de casa”.
Fonte: Delas.ig
Nenhum comentário:
Postar um comentário